A PROCRASTINAÇÃO DE UM ATLETA NO 1.º OEIRAS TRAIL

Neste domingo soalheiro, juntamente com outros 499 atletas (o limite máximo para cada uma das provas era de 250 atletas e há alguns dias que a organização havia anunciado que as inscrições estavam encerradas), fiz-me aos trilhos da 1.ª edição do Oeiras Trail.

Mesmo tendo chegado em cima da hora de partida à Fábrica da Pólvora em Barcarena, Oeiras, apercebi-me de imediato do entusiasmo de muitos daqueles que, pela primeira vez, iriam participar numa prova de trail. Eles eram as poses para a foto, as recomendações audíveis, a verificação do material pronto a estrear, o nervosismo impossível de disfarçar e aqui “o gajo”, com uma simples garrafa na mão e sem dorsal sequer, que o companheiro de corrida que o havia levantado no dia anterior consegue atrasar-se mais do que eu.

Ainda a ajeitar a folha de papel com o número atribuído, iniciei a prova, ultrapassei uma pequeníssima subida e voltei para trás, passando novamente pela partida e posteriormente meta, num trajeto que permitiu aos familiares dos atletas que ainda ali permaneciam voltar a captar fotos que, certamente, ilustrariam os perfis das redes sociais de alguns deles.

Essas pequenas voltas foram uma constante ao longo do percurso, o que se compreende para perfazer a totalidade dos 20 km sem sair muito da mesma zona, mas que se torna um pouco aborrecida para quem os trilhos não são novidade. Além deste, outro aspeto que gostaria de ver melhorado é a qualidade dos abastecimentos. Não peço camarão nem uma máquina de imperiais, porém os abastecimentos foram demasiado frugais para o que já nos vamos habituando, o que mereceu críticas audíveis de um atleta mais, digamos, experimentado, a quem a idade não o coibiu de proferir expressões não passíveis de

Já que falo em abastecimentos, o ponto alto da prova deu-se perto do primeiro deles, quando seguia ao lado do parceiro de milhares de quilómetros e elogiei a capacidade de sofrimento que, decerto, o atleta que nos acabara de ultrapassar deveria ter, pois o seu pé esquerdo apontava de forma pronunciada para fora. O comentário que a seguir ouvi deixou-me, confesso, atónito: “É um procra…or, um procrast…or, #$#%$& (símbolos que visam criar no leitor a ideia do que foi proferido, sem, contudo, ferirem a sua sensibilidade) um pronador, caraças!”. Após longos minutos de riso partilhado, a “sentença” saiu disparada: “Já tens título para o artigo”.

Os restantes quilómetros foram percorridos sem grande dificuldade (até pareço um profissional) entre subidas pouco pronunciadas e trilhos com terra e palha, o que permitiu conversas animadas com quem ia encontrando. Só após cruzar a meta consegui perceber que os atletas que encabeçavam inicialmente o pelotão tinham seguido durante alguns metros por um caminho fora do percurso, o que não me impediu de me sentir orgulhoso por não ter perdido tanto tempo como o esperado.

 

Em jeito de conclusão, é uma prova que tem margem para crescer, sendo ideal para quem se quer aventurar pelo trail ou simplesmente correr durante o percurso todo. E como o dia convidava a uma cerveja e para não deixar dúvidas sobre a minha gentileza para com ele, ingeri duas.

 

02 julho 2019
in Running Magazine

O GAJO É MARATONISTA!

É certo e sabido que, no final de cada ano, regados pelo espírito festivo, fazemos promessas que só muito dificilmente iremos cumprir. E quando se é um “gajo” de palavra? Aí “a coisa pia mais fininho”. Para este ano de 2019 afirmei, num momento de insensatez, que correria uma prova de trail numa distância superior a 100 km (já o fiz por etapas) ou uma maratona.

Nunca gostei de me arrastar pelo alcatrão (aliás, desde o final de 2017 que não corria em estrada) e, por isso, decidido a honrar o prometido, apontei ao UTSM (Ultra Trail de São Mamede) ou ao Trail de Abrantes 100. No entanto, os meses foram passando e, como não treinei o suficiente para sequer pensar em aventurar-me numa tão longa distância, fui-me mentalizando para ir à Maratona do Porto (tinha prometido “à miúda” que a minha primeira maratona seria a da sua cidade).

E o Outubro do meu contentamento foi passado entre fartleks (“brincar a correr”, traduzem os especialistas que não devem sair do sofá), treinos cronometrados, corridas de progressão e uma especial atenção à alimentação (é um crime recusar o terceiro prato de feijoada, mas um gajo tem de fazer sacrifícios nesta vida de atleta).

Quando, neste Domingo, foi dada a partida para a 16.ª Maratona do Porto, contagiado pela animação de todos aqueles masoquistas que se propunham calcorrear os 42,195 km, arranquei confiante de que poderia concretizar um dos meus dois objectivos para aquela prova: terminar vivo e, caso isso fosse possível, em menos de 4 horas.

Matosinhos – Leixões – Matosinhos, pose para as fotos e os primeiros 10 km nem se fizeram notar. O amigo com quem corri a primeira metade da prova, do alto da sua experiência de três maratonas completas, aconselhou-me a abrandar que já não ia a tempo de apanhar os da frente e o melhor era cingir-me ao plano inicial. E assim regressei ao ritmo de 5m30s/km.

Foz – Ponte D. Luís e a meia-maratona estava feita! A partir dali era ganho, pois essa era a maior distância que já tinha corrido em estrada. Na zona da Afurada, cerca dos 25 km, noto que muitos participantes começam a quebrar, sendo que a subida que nos leva de regresso à Ponte já é feita a andar por alguns. Como me sentia mesmo bem, a euforia invadiu-me e já me via a baixar das 3h45!

Aos 35 km, anunciaram-se suas altezas, os reais gémeos, e as suas insuportáveis queixas. Acalmar um pouco o já lento ritmo, respirar bem, ingerir o último gel e olhar para a p(iiiiii…) da recta que não deixava ver o seu fim. Aos 38 km, as pernas já não respondiam ao cérebro, limitavam-se, penosamente, a transportar-me ao longo da faixa divisória da avenida. Ao km 40, ao km 40…já nem me recordo. Faltava pouco, tão pouco, mas parecia tanto.

Mais uns metros, só mais uns metros, braço levantado, prova feita em cima das 3h56m e o grito saiu espontâneo: “Nunca mais me meto numa destas!” Duas cervejas e uma conversa depois e já estava a pensar em que cidade iria correr a próxima. Afinal de contas, agora sou um maratonista!

 

06 novembro 2019
in Running Magazine