O GAJO É MARATONISTA!

É certo e sabido que, no final de cada ano, regados pelo espírito festivo, fazemos promessas que só muito dificilmente iremos cumprir. E quando se é um “gajo” de palavra? Aí “a coisa pia mais fininho”. Para este ano de 2019 afirmei, num momento de insensatez, que correria uma prova de trail numa distância superior a 100 km (já o fiz por etapas) ou uma maratona.

Nunca gostei de me arrastar pelo alcatrão (aliás, desde o final de 2017 que não corria em estrada) e, por isso, decidido a honrar o prometido, apontei ao UTSM (Ultra Trail de São Mamede) ou ao Trail de Abrantes 100. No entanto, os meses foram passando e, como não treinei o suficiente para sequer pensar em aventurar-me numa tão longa distância, fui-me mentalizando para ir à Maratona do Porto (tinha prometido “à miúda” que a minha primeira maratona seria a da sua cidade).

E o Outubro do meu contentamento foi passado entre fartleks (“brincar a correr”, traduzem os especialistas que não devem sair do sofá), treinos cronometrados, corridas de progressão e uma especial atenção à alimentação (é um crime recusar o terceiro prato de feijoada, mas um gajo tem de fazer sacrifícios nesta vida de atleta).

Quando, neste Domingo, foi dada a partida para a 16.ª Maratona do Porto, contagiado pela animação de todos aqueles masoquistas que se propunham calcorrear os 42,195 km, arranquei confiante de que poderia concretizar um dos meus dois objectivos para aquela prova: terminar vivo e, caso isso fosse possível, em menos de 4 horas.

Matosinhos – Leixões – Matosinhos, pose para as fotos e os primeiros 10 km nem se fizeram notar. O amigo com quem corri a primeira metade da prova, do alto da sua experiência de três maratonas completas, aconselhou-me a abrandar que já não ia a tempo de apanhar os da frente e o melhor era cingir-me ao plano inicial. E assim regressei ao ritmo de 5m30s/km.

Foz – Ponte D. Luís e a meia-maratona estava feita! A partir dali era ganho, pois essa era a maior distância que já tinha corrido em estrada. Na zona da Afurada, cerca dos 25 km, noto que muitos participantes começam a quebrar, sendo que a subida que nos leva de regresso à Ponte já é feita a andar por alguns. Como me sentia mesmo bem, a euforia invadiu-me e já me via a baixar das 3h45!

Aos 35 km, anunciaram-se suas altezas, os reais gémeos, e as suas insuportáveis queixas. Acalmar um pouco o já lento ritmo, respirar bem, ingerir o último gel e olhar para a p(iiiiii…) da recta que não deixava ver o seu fim. Aos 38 km, as pernas já não respondiam ao cérebro, limitavam-se, penosamente, a transportar-me ao longo da faixa divisória da avenida. Ao km 40, ao km 40…já nem me recordo. Faltava pouco, tão pouco, mas parecia tanto.

Mais uns metros, só mais uns metros, braço levantado, prova feita em cima das 3h56m e o grito saiu espontâneo: “Nunca mais me meto numa destas!” Duas cervejas e uma conversa depois e já estava a pensar em que cidade iria correr a próxima. Afinal de contas, agora sou um maratonista!

 

06 novembro 2019
in Running Magazine